A força do centro
Há 50 anos, a Porsche trouxe com o 914 o motor central do circuito para a produção em série. Os mais novos herdeiros com motor à frente do eixo traseiro: o Porsche 718 Cayman GT4 e o 718 Boxster Spyder.
Porsche 718 Cayman GT4 / 718 Boxster Spyder
Consumo de combustível
urbano: 15,6 l/100 km
rodoviário: 8,1 l/100 km
combinado: 10,9 l/100 km
Emissões de CO2 (combinado): 249 g/km (dados de 06/2019)
Porsche 911 GT3
Consumo de combustível
urbano: 19,7–19,4 l/100 km
rodoviário: 8,8 l/100 km
combinado: 12,9–12,7 l/100 km
Emissões de CO2 (combinado): 290–288 g/km
Classe de eficiência: G (dados de 06/2019)
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Right in the Middle
Antes ainda de ele poder ser visto, ouve-se o som aumentando. Primeiro, um rugido abafado e borbulhante faz vibrar o ar. Então, um crescendo cada vez mais brilhante – uma sinfonia colossal que só um genuíno motor aspirado de seis cilindros é capaz de executar. Fulminante. Estrondoso. Emocionante a altas rotações. Algumas frações de segundo mais tarde, lá vem ele disparado da curva da pista de testes de Weissach: o mais possante e rápido de sua espécie, com o potencial de um super-Porsche e meio século de tradição na bagagem – o poderoso detentor daquele conceito de motor central que a Porsche há 50 anos transferiu do circuito para a produção em larga escala. “Os esportivos com motor central da Porsche dispõem de encantadores atributos até hoje intactos”, conta Andreas Preuninger, diretor do setor de veículos GT. Piloto e copiloto ficam “mais próximos da máquina”, a sensação de dirigir é, portanto, mais emocionante. “Do meu ponto de vista, esses são fatores importantes para o sucesso de nossos carros esportivos com motor central.”
Até 1969, nada de novo. Os veículos da Porsche fabricados em série portam motor na traseira. Mas isso muda com o Porsche 914, este Targa de design audacioso e arrojado com o teto removível e os célebres faróis escamoteáveis. Como num carro de corrida, o 914 apresenta seu motor boxer de quatro ou seis cilindros à frente do eixo traseiro, e deixa o designer da Porsche Heinrich Klie trajá-lo com uma carroceria de peculiar radicalidade. O 914 é 18 centímetros mais curto do que o 911 S do ano-modelo 1967, mas possui uma distância entre eixos de quase 24 centímetros a mais. Com 1,23 metro de altura, ele é nove centímetros mais baixo e quatro centímetros mais largo do que o 911. Resultado: um centro de gravidade bem mais baixo, aliado a um peso reduzido. Mesmo o robusto 914/6 com motor boxer de seis cilindros e dois litros desempenhando 110 cv, oriundo do 911 T, pesa apenas 980 quilogramas, além de ter o centro de massa mais próximo do meio do veículo. Assim, o 914 é, para a época, mesmo com 80 cv, uma máquina exuberante e ágil, plana como uma tábua aderente ao chão. A chave de ignição fica à direita nos modelos com quatro cilindros, o freio de mão, à esquerda do banco do motorista.
“Em percursos estreitos e com muitas curvas, os esportivos com motor central sempre mostraram suas vantagens”, conta Jan Roth. O diretor da série de modelo 718 profere quatro palavras: “Leveza e agilidade extremas.” Exatas 115.631 unidades do 914/4 foram fabricadas na Karmann, em Osnabrück, na Alemanha, até 1976. E 3.338 exemplares do modelo topo de linha 914/6 foram fabricados até 1972 diretamente em Zuffenhausen, além de onze Porsche 916 com 210 cv de potência, doze 914/6 GT para o automobilismo e dois protótipos com motor oito cilindros de corrida – projetados especialmente para Ferdinand Piëch e Ferry Porsche.
No início, o 914 é um modelo exótico, nascido de uma parceria da Volkswagen com a Porsche que terminou antes de deslanchar. Hoje, o carro esportivo com motor central é venerado por ser a expressão de uma época em que o tom laranja vivo dos carros invadiu os banheiros da classe média, as saias eram curtas, as costeletas, compridas, e as calças tinham bocas de sino. Mas o 914 nunca entrou na moda. A verdade é que, desde os anos 1930, o conceito do motor central já era usado na Porsche. Ferdinand Porsche o realiza em 1934, no carro de corrida Tipo 22 da Auto Union. Já no 356 "No 1" Roadster de 1948, o motor de quatro cilindros está à frente do eixo traseiro, o qual, por sua vez, é central em relação à transmissão. Para Ferry Porsche, o conversível de dois lugares não tinha espaço suficiente para bagagem. Assim, no modelo Coupé, o motor passa para a traseira e cede lugar a bancos auxiliares e bagagens. Assim nasce o modelo clássico da Porsche.
O motor central dá asas ao mito Porsche. Fervorosos fãs do automobilismo veneram o 550 Spyder nos EUA. Este belíssimo automóvel de dois lugares e alumínio vem com motor de quatro cilindros de eixo intermediário e 110 cv de desempenho e, mais tarde, 135 cv. É nele que James Dean, ícone rebelde e jovem eterno, morre. Para poder largar em corridas, a Porsche precisa construir 100 modelos de passeio do 904 com motor central, que atende pelo nome oficial 914 Carrera GTS. Devido à grande procura, acabaram sendo 116. Ferdinand Alexander Porsche desenhou a carroceria de resina sintética do 904, entrando assim para a história do design. Mais tarde, o Carrera GTS marcará toda uma época do automobilismo.
Apesar disso, findada a produção do 914, o conceito do motor central da Porsche para fabricação em série permanece duas décadas no gelo. Zuffenhausen se concentra em carros esportivos de quatro cilindros com sistema transaxle, como os modelos 924, 928, 944 e 968. Até 1996, quando o Boxster celebra seu lançamento mundial. O motor de seis cilindros refrigerado a água está posicionado à frente do eixo traseiro, o ronco gutural e as excepcionais características veiculares do roadster brilharam logo de cara. Em 2005, surge o Cayman, a versão Coupé. “Certamente”, relembra Jan Roth, “a escolha pelo motor central nos anos 1990 também se deu pela vontade de se diferenciar o Boxster do 911. Ao lado do conceito claramente distinto, a distribuição de peso mais equilibrada e a centralização do peso no meio do veículo resulta em uma dinâmica de direção diferenciada que se pode realmente sentir.” O Boxster e o Cayman são um sucesso. Em 2016, é a vez da quarta geração da série ser lançada. O novo nome do modelo 718 evoca o 550 Spyder dos anos cinquenta e os modelos 718 posteriores. Como então, são empregados motores de quatro cilindros. Porém, desta vez, turboalimentados.
Em 2019, o ponto culminante: 718 Cayman GT4 e 718 Boxster Spyder. O Cayman GT4 terá novamente um motor GT aspirado de seis cilindros e alta rotação (718 Cayman GT4: consumo de combustível combinado: 10,9 l/100 km, emissões de CO₂ (combinado): 249 g/km (dados de 06/2019)). Mais possante do que no modelo anterior, ele também traciona o Boxster Spyder que, em conjunto com a suspensão e a regulagem da dinâmica de direção, se iguala a um GT4 conversível. “Projetamos ambos os carros para verdadeiros fãs, para pilotos e puristas que aguardavam especialmente por esses modelos e que não precisam ser convencidos das vantagens dos motores centrais”, enfatiza Andreas Preuninger. “Eles não adquirem um 718 GT4 ou 718 Spyder com base em números de Super Trunfo, mas por puro entusiasmo.”
O Coupé e o Cabriolet dão um show no quesito sofisticação técnica. Totalmente remodelado, o motor boxer de quatro litros tem agora 420 cv e importantes componentes do novo 911, entre eles o sistema eletrônico. Com um deslizamento constante, o controle dos cilindros desativa três de seis câmaras de combustão, reduzindo nitidamente o consumo. Filtros de partículas colaboram no cumprimento das normas de emissões atuais.
O Spyder em particular mostra expressivo avanço na suspensão. Como no GT4, ela tem base em muitos elementos de alumínio leves do 911 GT3 e de carros de corrida da Cup. Pneus de Ultra High Performance remodelados conferem ainda mais grip com compostos de borracha. E os sistemas de dinâmica veicular Porsche Active Suspension Management (PASM) e Porsche Stability Management (PSM) estão adaptados com precisão às novas condições gerais. Se desejado, como em todos os modelos GT da Porsche, é possível desativá-los por completo. Freios de cerâmica opcionais reduzem as massas não amortecidas em até 4,75 quilogramas por roda, ou seja, quase 50%. A aerodinâmica faz parte do desempenho. O conceito de motor central oferece na traseira espaço suficiente para um duto de difusor que reforça o downforce do GT4 em 25% e reduz pela metade as forças ascendentes do Spyder – sem aumentar a resistência aerodinâmica. É o que Markus Atz, diretor de projetos do setor de Motorsport para veículos GT de passeio, entende por “eficiência aerodinâmica”.
E os sofisticados atributos de condução que caracterizavam antigamente o 914? “Graças à moderna cinemática de suspensão e ao elevado grip dos pneus, os veículos de motor central, como o GT4 ou o Spyder, andam hoje como se fossem de outro planeta, mesmo com sistemas de estabilidade de direção desligados”, afirma Atz e ri: “50 anos de avanço contínuo trazem vantagens.”