Coragem!
Início de 1977: o novo modelo top 928 sacode o mundo da Porsche. O carro rompe com todas as expectativas – superando-as, ao mesmo tempo.
Ohomem só pode descobrir novos oceanos se tiver coragem de perder a terra de vista.” A citação é do escritor francês André Gide, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1947. No início da década de 1970, esta frase descreve bem o clima na Porsche. O que estava acontecendo em Zuffenhausen? As famílias Porsche e Piëch haviam se distanciado da empresa. Nos EUA, na época o maior mercado da Porsche, o legislativo discute novas normas de proteção contra impactos. E, devido às iminentes normas mais rígidas de escape e de segurança, o Porsche 911 é tido como um modelo a sair de linha. Tudo aponta para uma mudança. E na Porsche alguns começam a ir fundo nessa mudança.
Ernst Fuhrmann, novo presidente da empresa, favorece o conceito para um novo modelo – o abandono radical do princípio de motor traseiro, usado até então. Futuramente, o motor deve ir para a frente, a transmissão para trás, e entre eles o que se chama de “eixo rápido”. Os especialistas chamam de transeixo esta distribuição de componentes da transmissão. É justo ela que deve caracterizar o 928.
Andrew Phinney
Phinney, 51 anos, é natural de Connecticut, EUA, e orgulhoso proprietário do primeiro Porsche 928. Onze Porsche 928, começando com o número de chassi 9288100011, foram apresentados em 1977, no âmbito do Salão do Automóvel e do lançamento mundial do Porsche 928 em Genebra.
“Quando era adolescente, estava sentado na frente da televisão, quando descobri pela primeira vez um Porsche 928 no seriado de TV O homem de seis milhões de dólares. Foi aí que me apaixonei. Até hoje já tive cerca de vinte Porsche 928. Mas este aqui é algo bem especial: comprei-o de Jim Doerr, um entusiasta de Michigan. Ele encontrou-o em 2011 meio carente e abandonado em um pátio, em algum lugar de Michigan. A carroceria tinha uns quarenta buracos e várias peças especiais haviam sido instaladas. Mas seu motor original estava lá. E a pintura também: branco Grand Prix. Assinei o contrato de compra no dia 22 de fevereiro de 2017. Foi exatamente no dia em que o 928 deve ter deixado a fábrica em Zuffenhausen há 40 anos. Um dia depois, a 23 de fevereiro de 1977, onze novos Porsche 928 foram apresentados ao público internacional. A documentação do veículo está praticamente sem lacunas. Em 1979 a Porsche o vendeu a um comprador particular em Hamburgo. Em 1983, o 928 encontrava-se novamente nos Estados Unidos. A fim de atender às disposições relativas às importações, o velocímetro foi trocado e passou a marcar milhas por hora. Atualmente, ele tem 90.000 milhas rodadas. Sei o tesouro que possuo. Muitas vezes sento-me em uma cadeira ao seu lado na garagem e fico desejando que ele falasse e me contasse sobre o passado.”
Uma decisão corajosa, considerando-se a tradição de motor traseiro na Porsche. Mas, uma vez tomada, “todos a apoiaram”, recorda-se Wolfhelm Gorissen, diretor do projeto do Porsche 928. O desenvolvimento toma impulso a partir de fevereiro de 1972. Os engenheiros no Centro de Desenvolvimento em Weissach estão explorando novos territórios em todas as direções. O motor de alumínio, um V8 de 4,5 litros resfriado a água e derivado do automobilismo, é empregado pela primeira vez em um carro europeu produzido em série. Os engenheiros dão ao chassi uma suspensão traseira totalmente nova, que ajuda na convergência das rodas, o chamado “eixo de Weissach”. A carroceria é um misto de aço, alumínio e material sintético. E os para-choques de poliuretano – outra novidade absoluta – são totalmente integrados à carroceria. Eles passam soberanamente nos novos testes de impacto (testes de pêndulo), nos quais não deve surgir amassado algum no carro até uma velocidade de colisão de 8 km/h.
Hoje isso parece óbvio, mas naquela época os para-choques quase levam os engenheiros, designers e Gorissen, diretor do projeto, à beira de um ataque de nervos. Não apenas por causa da fixação flexível e complexa, mas principalmente da pintura. “Naquele tempo simplesmente não tínhamos nenhuma tinta que fosse adequada para aço, alumínio e poliuretano ao mesmo tempo”, recorda-se Gorissen. “Em toda a parte havia tons de cor diferentes.” Essa tinta ainda precisa ser inventada – o que dá certo até o começo da produção em série.
Havia um carro de corrida no 928
Hans Clausecker
Nascido em 1940, o especialista em chassis participou da última fase do desenvolvimento do Porsche 928 nos testes de pneus de inverno – e da construção do único carro de corrida de fábrica deste tipo.
“Entrei para a equipe de testes cerca de um ano antes do 928 ter sido apresentado. Naquele momento, as coisas giravam sobretudo em torno dos testes de direção com diversos pneus de inverno, realizados na Áustria. Para os testes de handling íamos a Nürburgring ou Contidrom, perto de Hannover. Devido à distribuição de peso quase ideal, o 928 era muito mais simples de dirigir do que o 911. Eu achava o carro particularmente generoso e o apreciava por ser um carro maravilhosamente confortável para viagens. Meu colega Günter Steckkönig e eu víamos nele o veículo ideal para participar do Campeonato Europeu de Carros de Turismo da época, e, de fato, conseguimos a liberação. Em 1983 o carro estava pronto para atuar. Ele foi convincente no campeonato Veedol de Longa Duração em Nürburgring, e também nas 24 Horas de Daytona. Mas infelizmente a produção não atingiu a quantidade de 5.000 unidades no período de um ano, que o regulamento do Campeonato Europeu de Carros de Turismo exigia. Com isso, o sonho de uma carreira automobilística para o 928 logo se desfez. Mais de 30 anos se passaram até que o 928 de corridas fosse reanimado: por trainees da Porsche e dois aposentados da empresa – Günter Steckkönig e eu. Agora o carro está de volta tal como antes da primeira corrida em 1983.”
Enquanto em Weissach o pessoal trabalha em centenas de detalhes, lutando por cada centímetro a mais de espaço e cada quilograma a menos de peso, os especialistas do departamento de Experimentos levam os respectivos protótipos mais atuais a seus limites físicos. A distribuição de peso quase ideal de 50:50 entre o eixo dianteiro e o traseiro, o motor V8 de grande volume e o chassi elaborado prometem já no papel um excelente comportamento de direção. E então se constata: o 928 é muito melhor. Gorissen ainda se lembra bem daquela noite na Floresta Negra. “Era inverno, as pistas estavam parcialmente congeladas e isso exigia tudo.” No entanto, depois da volta, os pilotos de teste saíram do carro bem dispostos e animados. “Ele rodava em uma categoria superior à do 911 de então.”
Desde o início, o 928 é posicionado de forma diferente, e sobretudo numa escala superior: como carro esportivo de viagem, o primeiro Gran Turismo da Porsche. O novo veículo oferece quatro assentos, ainda que os dois lugares traseiros sejam inaceitáveis para trechos mais longos. Além disso, uma extraordinária sensação espacial e um porta-malas considerável. Na época, ele foi considerado um carro grande. Visto da perspectiva de hoje, ele dá a impressão de ser incrivelmente compacto. “Não há outro esportivo V8 que seja tão baixo e elegante”, afirma Harm Lagaaij, chefe de design na Porsche de 1989 a 2004, que dirigiria “ao menos três exemplares do 928” fora do trabalho.
“Não há outro carro esportivo V8 que seja tão baixo e elegante” Harm LagAaIJ
Digno de nota – no 928 você quase flutua sobre as pistas. O nível de ruído é significativamente mais baixo que o do 911 com motor boxer resfriado a ar. O comportamento de direção é muito generoso e o conforto a bordo, extraordinário. O ar-condicionado abrange o porta-luvas, a altura do volante e do cockpit pode ser ajustada. Além disso, as posições dos pedais, dos apoios de pé e da alavanca de câmbio também podem ser adaptadas ao motorista. O sistema do limpador de para-brisa possui um tanque separado com uma bomba adicional de dosagem. Em atividade, ela borrifa de tempos em tempos um detergente especial no vidro do para-brisa, ficando este livre de marcas. Finalizando, temos um rádio cassete Porsche desenvolvido exclusivamente. Ele une “características excepcionais de recepção a um manuseio simples e claro”.
O carro é uma sensação em seu lançamento mundial no Salão do Automóvel de Genebra, em março de 1977. O entusiasmo do público, enorme. “O ex-chefe da Volkswagen, Rudolf Leiding, logo comprou um exemplar – para sua esposa”, noticia a revista Spiegel, comentando: “Nenhum outro carro até hoje foi tão decisivo para o destino da Porsche como o 928.” Em outras palavras: este esportivo totalmente novo, extremamente moderno e de elegância atemporal tem, na verdade, tudo para assumir o legado do 911.
Mas a coisa sai diferente, como se sabe hoje – 40 anos mais tarde, embora o Porsche 928 seja premiado em 1978 com o título de “Carro do Ano” (como o primeiro e até hoje único carro esportivo) e, mais tarde, continue sendo aprimorado e valorizado. A potência do motor inicial de 240 cv é aumentada ainda para 350 cv. Este é, no entanto, o último estágio de evolução da série de modelo, o 928 GTS de 1991. O fim veio em 1995. A produção para com 61.056 exemplares construídos.
O 928 deu início a um novo estilo
Lagaaij admira até hoje a linguagem formal do veículo. Num dado momento da conversa sobre o carro, sua estética atemporal e elegante e seu conceito coerente, ele diz uma frase que soa como um eco da citação de André Gide. “O Porsche 928 foi como um novo continente no mundo da Porsche conhecido até então.”
Hans-Georg Kasten
Em 1970, Kasten veio para a Porsche aos 23 anos, logo após seus estudos de construção de carroceria e design em Hamburgo. Ele trabalhou desde o início no 928, primeiro como designer de interiores, passando para designer de exteriores e, finalmente, como assistente do diretor do estúdio, Wolfgang Möbius.
“Em agosto de 1970, comecei a trabalhar na Style Porsche. Primeiro no design de interiores sob a batuta do então diretor Hans Braun. Logo tudo começou a girar em torno do futuro carro esportivo da Porsche. A opinião era unânime de que o carro deveria ter um visual bem diferente, contrário ao espírito da época com suas carrocerias em forma de cunha e cheias de arestas. Ele deveria ser mais orgânico, mais moderno, ou seja, mais Porsche. Acho que isso faz com que o 928 ainda hoje dê uma impressão esteticamente elegante e atemporal. No início, minha tarefa era implementar o interior projetado por Hans Braun. O cockpit era totalmente novo e podia ser ajustado junto com a coluna de direção. Além disso, o console central foi estendido até o painel de instrumentos, que literalmente envolvia o motorista e o passageiro da frente. No final de 1973, passei para o design de exterior. Ali o grande desafio eram os para-choques integrados à carroceria – nunca havia existido algo assim antes em carro algum. O problema era que os para-choques tinham que cumprir as novas normas de impactos muito rígidas dos EUA, o que significou enormes esforços no desenvolvimento. Mas por fim conseguimos encontrar a solução de forma brilhante. Porém, isso só foi possível porque não apenas criamos um esportivo totalmente novo, mas também estabelecemos na época um modo totalmente inédito de cooperação entre engenheiros e designers na Porsche.”